Existem institutos jurídicos que com o passar do tempo acabam por cair em desuso ou dar lugar a novas práticas, mais modernas e eficientes. Vejamos o exemplo da tecnologia, que fez com que a circulação do dinheiro torna-se em grande parte digital. Documentos como o cheque e a nota promissória são cada vez mais raros, e dão lugar ao cartão de crédito, ao pix, etc.
Esse singelo exemplo pode ser transportado a outras áreas do direito, como por exemplo à sucessão de bens pelo falecimento de seu proprietário. A sucessão é um instituto sobre o qual não se vislumbra o fim, porém, a maneira como tradicionalmente é feita pode ser algo que está encontrando seus últimos dias, por assim dizer.
Neste artigo iremos abordar sobre o que especialistas do direito estão chamando de “o fim do inventário”. Iremos entender como o fim do inventário será possível, e o que será usado como seu substituto.
- Como ocorre a sucessão de bens?
- O que é a Holding?
- O que é o planejamento sucessório?
- O que é a Holding Familiar?
- Como a sucessão é feita através da Holding Familiar?
- Por que a holding é mais vantajosa que o inventário?
- A holding familiar e a possibilidade de proteção patrimonial
- Clausulas restritivas na doação das quotas da holding
- Conclusão
Como ocorre a sucessão de bens?
O fato que da origem à sucessão de bens é o falecimento do seu proprietário. Isso acontecendo, é necessário que o patrimônio que em vida detinha seja transferido a outras pessoas, que o direito chama de herdeiros. Na prática ocorre a mudança da titularidade dos bens, sejam eles móveis, imóveis e também ativos financeiros.
A sucessão tradicional é feita por meio da abertura de um processo de inventário, no qual ocorrerá o levantamento do conjunto patrimonial do falecido, dos seus direitos e também de suas obrigações. Neste mesmo processo é que será feita a partilha de bens, ou seja, a divisão dos bens remanescentes entre os herdeiros sobreviventes.
A fala sobre o fim do inventário não significa a extinção do direito de herança, tampouco o fim da necessidade de formalização da sucessão. Ela existe por que há uma nova ferramenta jurídica mais eficiente e econômica que o inventário, e que está à disposição de qualquer pessoa para que possa planejar a sucessão dos seus bens ainda em vida: a Holding Familiar. Nos próximos títulos compreenderemos o que é a Holding Familiar e como ela pode ser usada para a concretização do direito sucessório.
O que é a Holding?
A criação da holding se deu no âmbito do Direito Empresarial, mas há possibilidade de sua utilização como ferramenta de planejamento sucessório, por oferecer uma série de vantagens, algumas das quais serão tratadas à frente.
O objetivo inicial da holding é a criação de uma empresa com a finalidade de exercer o controle sobre a totalidade ou parcela de outras empresas, sem que ingresse diretamente na atividade econômica por elas desempenhadas. Encontra previsão na Lei das Sociedades Anônimas, Lei 6.404/76, que desta forma dispõe:
Art. 2º Pode ser objeto da companhia qualquer empresa de fim lucrativo, não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes.
[…]
§ 3º A companhia pode ter por objeto participar de outras sociedades; ainda que não prevista no estatuto, a participação é facultada como meio de realizar o objeto social, ou para beneficiar-se de incentivos fiscais.
Vejamos um exemplo que pode ajudar na compreensão dos aspectos da Holding no contexto do Direito Empresarial. Imaginemos um empresário que atue em diversos ramos, e seja sócio de inúmeras empresas, cada qual com uma atividade específica. Para melhorar a gestão de seus negócios e otimizar os lucros, ele então decide criar uma empresa que será responsável por gerenciar os negócios, e constitui o seu capital social de todas as quotas parte das demais empresas de que é proprietário.
Essa nova empresa por ele criada é a Holding. Uma sociedade que surge apenas com a finalidade de administrar e controlar as empresas das quais detém quotas em seu capital social. Então, a Holding passa a ser a proprietária direta das frações das demais empresas, e o empresário o proprietário da Holding.
A Holding não irá ingressar diretamente em nenhuma das atividades desenvolvidas pelas empresas de que detém participação, sua finalidade é unicamente controle. Surge, desta forma, duas figuras distintas: a empresa controladora e a empresa controlada, distinção já prevista pela Lei 6.404/76:
Art. 243. O relatório anual da administração deve relacionar os investimentos da companhia em sociedades coligadas e controladas e mencionar as modificações ocorridas durante o exercício.
[…]
§ 2º Considera-se controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores.
Agora vamos entender como a criação de uma Holding pode ser feita com a finalidade precípua de planejamento sucessório.
O que é o planejamento sucessório?
As sociedades criadas com base na cultura cuja predominância da orientação espiritual provém do cristianismo observam a morte de uma maneira emotiva, deixando a razão de lado quando este é o assunto. Claro, uma das experiências mais tristes e marcantes na vida de qualquer pessoa é a perda de um ente querido. Mas o assunto da sucessão patrimonial é algo que precisa deixar de ser tratado como tabu e abordado de maneira clara e objetiva.
A julgarmos pelo Código Civil, a vontade do proprietário quanto à sucessão dos seus bens fica limita ao que se pode dispor em testamento, significando uma considerável limitação, conforme previsão expressa:
Art. 1.857. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte.
§ 1 o A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento.
Ao dispor em testamento sobre a sua última vontade, o testador somente poderá incluir nas cláusulas aquilo que o no Direito se chama de parte disponível. Na prática, significa que somente poderá dispor de metade do quee lhe pertence. Essa é uma das limitações que, conforme veremos, pode ser flexibilizada no âmbito da Holding Familiar.
Outra grande questão é quanto ao dispêndio de recursos com gastos do inventário, representados pelas taxas e emolumentos com cartório, eventuais custas judiciais, tributos com a transferência dos bens e ainda com honorários advocatícios. Em muitos casos isso se torna um problema para os herdeiros, que não raro precisam se desfazer de parte do patrimônio para arcar com essas despesas.
Veremos adiante que a Holding pode facilitar o processo de sucessão de bens, deixando-o mais dinâmico, e com menos custos.
O que é a Holding Familiar?
Anteriormente nós estudamos que a Holding é uma empresa criada com a finalidade de exercer o controle sobre outras empresas. Agora vamos compreender como essa prática pode ser aplicada no âmbito familiar.
A criação de uma holding familiar consiste na abertura de uma empresa que irá deter em seu capital social os bens de propriedade da família. Podendo ela ser utilizada como forma de proteção, planejamento e sucessão.
Tomemos como exemplo uma família composta por pai e mãe, e dois filhos. Essa família atua no agronegócio, e possui como propriedade uma porção de terras e algumas máquinas agrícolas, que são utilizadas no cultivo do solo, além de um armazém para armazenamento de veículos e ferramentas.
A criação da holding será feita da maneira normal como se faz a abertura de qualquer outra empresa, por que na teoria em nada ela difere. Quando da criação do contrato social, o instituidor colocará em seu capital social os bens que são propriedade da família, transferindo a sua propriedade da pessoa física para a pessoa jurídica. Ele, a esposa e os filhos, se quiser, serão então sócios da empresa, detentores de quotas parte de seu capital.
O que ocorre com a transferência dos bens da pessoa física para a empresa é a sua transformação em quotas capitais. O instituidor deixa de ser proprietário dos bens, e passa a deter quotas da empresa que é proprietária direta.
Como a sucessão é feita através da Holding Familiar?
Ao criar a empresa holding, o instituidor poderá inserir as clausulas no contrato social da maneira como preferir, e inclusive doar sua parte da empresa a quem quer que seja. De modo que, a sucessão por meio da holding pode ser feita basicamente de duas maneiras, as quais serão tratadas a seguir.
No primeiro cenário, o instituidor insere os herdeiros no contrato social como sócios da empresa, detendo cada um deles uma parte. Quando ocorrer o evento morte o instituidor, os herdeiros já são proprietários da holding, e consequentemente do patrimônio que integra o capital social.
Outra forma, e a mais utilizada, é a doação das quotas capitais da empresa com cláusula de reserva de usufruto vitalício. Na prática, o instituidor cria a empresa holding, inserindo seus bens no capital social, e os transformando em quotas capitas.
Após esse procedimento, ele faz uma doação para as pessoas que quer como herdeiro, na proporção que considerar mais adequada. E por meio da reserva de usufruto vitalício se mantém na posse dos bens e na administração da empresa até que chegue o momento de sua morte.
Quando morrer, extingue-se o usufruto e a posse dos bens é transferida aos herdeiros sem a necessidade de que se realize o inventário.
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Por que a holding é mais vantajosa que o inventário?
Dentre as vantagens de realizar a sucessão através da holding ao invés do inventário está a possibilidade de planejamento. A partilha costuma ser um procedimento que gera atrito entre os herdeiros, e é comum criar desavenças que duram pela vida toda. São muitos os casos em que irmãos deixam de se falar por conta da herança dos pais.
Com a abertura da holding, e a doação das cotas com reserva de usufruto, não haverão surpresas e os desentendimentos serão evitados. No evento morte, tudo estará determinado por que foi anteriormente planejado pelo instituidor.
Outro benefício é a economia com taxas, custos, tributos e honorários. A transmissão dos bens aos herdeiros é acompanhada de gastos nada modestos. Em muitos casos é preciso que haja a venda de um ou mais bens da herança para o pagamento destas despesas.
Por outro lado, a sucessão realizada por meio da holding familiar representa uma enorme economia de recursos financeiros, se comparada com o inventário tradicional. Remetemos o leitor a outros artigos em nosso site, que tratam especificamente sobre a diferença de custos entre o inventário e a holding.
A holding familiar e a possibilidade de proteção patrimonial
Existe um outro aspecto que merece destaque, e que pela importância decidimos tratar em tópico apartado dos demais: a proteção patrimonial. O cenário de prosperidade dos pais nem sempre é usufruído pelos filhos, por conta de atitudes menos atentas.
Ao que parece, a habilidade no trato com os negócios e a prudência não são hereditários, e muitos herdeiros terminam por dilapidar por completo o patrimônio construído pelos pais. Com a holding, é possível que o instituidor crie uma certa proteção e garanta que os bens não sejam consumidos e que permaneçam com a família.
Ao elaborar o contrato social da empresa, o instituidor poderá inserir ali clausulas contratuais de modo a fazer valer sua vontade quanto à administração dos bens. Poderá, por exemplo, determinar qual dos herdeiros será o administrador da empresa após a sua morte, fazendo com que o mais apto tome conta dos negócios da família.
Outra vantagem criada pela holding é o direito de preferência dos sócios em relação a adquirir as quotas do sócio disposto a vender. Antes de transferir a um terceiro estranho à empresa, terá de oferece-las formalmente aos demais, sob pena de nulidade da transação.
Cláusulas Restritivas na Doação das Quotas da Holding
No momento em que realiza a doação das parcelas da empresa aos seus herdeiros, o instituidor o fará por meio de um contrato de doação. No qual poderá inserir algumas cláusulas que limitarão a livre disposição dos bens pelos donatários/herdeiros, conforme exposto a seguir.
Por meio de uma cláusula de inalienabilidade, o doador garante que o patrimônio permaneça sob o domínio da família. A imposição da inalienabilidade restringe a vontade do donatário, que não poderá dispor dos bens recebidos. Significa que fica impedido de vender, doar, dar em pagamento ou em garantia.
Para evitar que os bens sejam oferecidos em garantia por dívidas dos herdeiros, o instituidor pode inserir uma cláusula de impenhorabilidade. Isso coloca os bens a salvo de eventuais credores do donatário, pois impede que o patrimônio recebido seja utilizado como garantia de obrigações por ele assumidas.
Pela cláusula de reversibilidade, o empresário garante que se o donatário falecer antes, a doação fique sem efeito e o patrimônio retorne à holding, não indo para a sucessão.
Já a cláusula de incomunicabilidade impede que os bens se comuniquem com o cônjuge do herdeiro. Isso é importante por que a depender do regime de bens adotado pelo casal, os bens recebidos em doação integrarão o patrimônio em comum de ambos. Ocorrendo um divórcio ou separação, o cônjuge então teria direito à metade do que o outro recebeu em doação, o que não ocorrer se houver a cláusula de incomunicabilidade.
Conclusão
A possibilidade de realização da sucessão de bens por meio da criação de uma holding patrimonial é algo que por suas vantagens vem fazendo com que o inventário se torne obsoleto, e a previsão é que nos anos futuros venha a cair em desuso. Deixado apenas para estudo histórico em livros acadêmicos.
Ainda que se trate relativamente de uma inovação jurídica, não há motivos para que os benefícios com a criação de uma empresa holding não sejam imediatamente usufruídos.
Importante que se ressalte que a abertura da empresa holding sempre deve ser precedida de um estudo de viabilidade técnica e econômica, e contar com o acompanhamento de um advogado especializado, para o completo êxito.
Gostou desse artigo? Para qualquer dúvida que tenha restado recomendamos a leitura dos demais artigos disponíveis no site, bem como disponibilizamos nossa equipe especializada em Holding Familiar para esclarecê-las.
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