No artigo de hoje iremos abordar um assunto muito interessante do direito civil, que é a a diferença entre doação de imóveis no cartório e a doação de imóveis através da holding. Porém, traremos a você, duas perspectivas diferentes sobre o tema. Abordaremos a doação de imóveis feita da maneira tradicional, e a legislação aplicável bem como o procedimento a ser seguido, mas também falaremos sobre a possibilidade de a doação ser feita no âmbito de uma empresa holding familiar.
Nossa proposta com esse texto é que você tenha acesso às informações mais relevantes sobre este tema, bem como, trazer as ferramentas necessárias para a realização do planejamento sucessório, diante das inúmeras possibilidades que oferecem.
- Como funciona a doação de imóveis?
- Qual o procedimento para doar imóveis no cartório?
- Como é feita a doação de imóveis na Holding familiar?
- Quais os custos da doação de bens em cartório?
- Quais os custos da doação de imóveis em uma holding?
- Quais são as principais cláusulas limitadoras que podem ser usadas na Holding como forma de proteção patrimonial?
- Doação em vida ou doação através da holding qual dos dois é mais vantajoso?
Como funciona a doação de imóveis?
Iniciaremos o nosso estudo falando sobre a doação, e nada mais certo do que começarmos definindo o que é a doação. Conforme o disposto no art. 538 do Código Civil, a doação é um contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere algum de seus bens para outra pessoa.
Por meio da doação, o proprietário de um bem decide transferir a propriedade dele a outro sem que por isso ocorra uma contraprestação econômica, ainda que possa ser exigido o cumprimento de alguma condição, encargo ou termo.
A doação é uma espécie de contrato que reúne duas características elementares: o elemento objetivo e o elemento subjetivo. O elemento subjetivo é o denominado animus donandi, representado pela vontade do doador, no sentido de transferir a propriedade do bem independentemente de qualquer obrigação ou contraprestação. Já o elemento objetivo da doação é materializado pela efetiva diminuição do acervo patrimonial do doador, e acréscimo no do donatário.
O Código Civil dispõe que a doação pode ser feita por meio de um contrato particular, e até mesmo de forma verbal:
Art. 541. A doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular.
Contudo, há que se atentar para o disposto no art. 110 do mesmo diploma legal, que prevê o seguinte:Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário-mínimo vigente no País.
Exige-se, portanto, que quando o objeto da doação for um imóvel com avaliação superior a trinta salários-mínimos ocorra a formalização por meio de uma escritura pública, celebrada no cartório ou no tabelionato.
Qual o procedimento para doar imóveis no cartório?
Já vimos acima que existe a necessidade de que o contrato de doação de bens imóveis ocorra por meio da escritura pública.
Num primeiro momento, para realizar a doação de imóveis no cartório, o doador deverá comparecer até o tabelionato para que o tabelião proceda com a lavratura da escritura pública de doação.
Para que ela se perfectibilize, nesta fase é necessário também que a administração pública realize a avaliação do imóvel para fins de cálculo do imposto de transmissão, e o seu recolhimento.Feito isso, escritura pronta, o donatário deverá dirigir-se ao cartório de registro de imóveis e averbar na matrícula a mudança de propriedade do bem imóvel que recebeu.
É necessário que o doador adote alguns cuidados na hora de fazer a doação de imóveis no cartório, para que não deixe margem a uma eventual declaração de nulidade do ato. O primeiro deles diz respeito à chamada “doação universal”, conforme os termos do art. 548 do código civil:
Art. 548. É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador.
A outra precaução se refere à doação inoficiosa, que é a realizada sem a preservação da legítima dos herdeiros necessários. Se o doador tiver herdeiros necessários, o limite de disposição do seu patrimônio é de 50%. A doação que exceder esse percentual será considerada nula, assim como prevê o art. 549 do Código Civil:
Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.
Mas e se a doação for feita a um herdeiro necessário? Nesse caso, o Código Civil prevê outra solução. Se a doação do imóvel for feita a um herdeiro necessário, como por exemplo de um pai para o filho, a lei considerará como adiantamento do que lhe cabe como herança:
Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança.
É importante e recomendável que a doação de imóveis no cartório seja acompanhada por um advogado. Por tratar-se de um procedimento solene, e com diversas particularidades legais que precisam ser observadas.
Como é feita a doação de imóveis na Holding familiar?
O primeiro passo para realizar a doação através da holding familiar é a constituição da empresa. O instituidor irá criar uma sociedade empresária, que terá por finalidade a administração dos próprios bens, e eventualmente a participação em outras sociedades. É importante nesta etapa que o instituidor tenha o acompanhamento de um advogado especialista em holding, para que tudo seja feito com planejamento, e com a observância das normas legais que regem a matéria, sobretudo as de ordem tributária.
Quando é constituída a holding familiar, há no seu ato constitutivo a indicação do seu capital social, cujo valor será definido conforme o caso. Após um período, é possível que se realize uma alteração no contrato social da holding para a integralização de mais bens ao seu patrimônio, nos casos os bens imóveis objetos da doação que será feita através da holding.
Feito isso, o próximo passo é tornar o donatário sócio da empresa, através da cessão de cotas capitais, e alteração do seu contrato social. Assim, ele se tornará proprietário da empresa holding familiar e consequentemente do capital social que integra o seu patrimônio.
Vejamos o exemplo de um pai que quer transferir o patrimônio ainda em vida para os filhos. Basta que ele crie a holding familiar, integre no seu capital social os bens que gostaria de doar, e posteriormente transfira aos filhos cotas capitais desta empresa. Os filhos serão sócios da empresa, e consequente proprietários do patrimônio que ela possui.
Quais os custos da doação de bens em cartório?
O custo mais relevante da doação de imóveis no cartório, por meio de escritura pública, é o Imposto sobre a transmissão causa mortis e doações (ITCMD), cuja previsão encontra-se no art. 155, inciso I, da Constituição Federal:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;
Como se trata de um imposto de competência dos Estados, a alíquota será variável. Aquele que fizer uma doação de imóveis em Belo Horizonte, por exemplo, pagará a alíquota de 5% sobre o valor de mercado dos bens, pois essa é a previsão da Lei Estadual nº 14.941/2003, do Estado de Minas Gerais.
A definição do valor de mercado do imóvel será feita através de uma avaliação pela Fazenda Pública, levando em consideração informações particulares do imóvel, como metragem e localização.
Além disso, é preciso que se considere o gasto com taxas e emolumentos para a confecção da escritura pública de doação de bem imóvel, e depois os custos com a averbação da mudança de propriedade na matrícula do bem.
Quais os custos da doação de imóveis em uma holding?
Quando o instituidor integraliza o bem imóvel ao capital social da holding familiar, há uma transmissão de bens imóveis, da pessoa física para a jurídica. Sobre toda transmissão de bens imóveis a título oneroso, via de regra, irá incidir um imposto chamado ITBI, cuja alíquota pode variar conforme o município em que a transferência é realizada. Em Belo Horizonte, MG, por exemplo, a alíquota é de 3.0 % sobre o valor do imóvel. Porém, a integralização dos bens ao patrimônio da holding familiar é isenta da cobrança deste tributo, conforme previsão da Constituição Federal, em seu Art. 156, § 2º, inciso I, que diz que o ITBI:
I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;
Para que a isenção do ITBI seja possível, deve-se ainda observar o que dispõe o Código Tributário Nacional, em seu artigo 37. Este dispositivo legal prevê que não haverá isenção quando a atividade preponderante da empresa for a venda e a locação imobiliária. Vejamos:
Art. 37. O disposto no artigo anterior não se aplica quando a pessoa jurídica adquirente tenha como atividade preponderante a venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição.
§ 1º Considera-se caracterizada a atividade preponderante referida neste artigo quando mais de 50% (cinquenta por cento) da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos 2 (dois) anos anteriores e nos 2 (dois) anos subsequentes à aquisição, decorrer de transações mencionadas neste artigo.
Por isso, ressalta-se a importância de que o processo de doação de imóveis através da holding seja acompanhado do começo ao fim por um advogado especialista em holding, para que esses detalhes técnicos não passem despercebidos.
A doação de imóveis através da holding familiar tecnicamente não contemplará os bens em si, mas uma cessão das cotas capitas da empresa, cujo capital social é por eles constituído. E, tratando-se de uma doação, também haverá a incidência do ITCMD, observando-se sobre a base de cálculo o que diz a legislação estadual.
Quais são as principais cláusulas limitadoras que podem ser usadas na Holding como forma de proteção patrimonial?
As holdings familiares são geralmente constituídas como sociedades limitadas e, devido à pluralidade de sócios, é importante incluir cláusulas que garantam a segurança e estabilidade da estrutura da empresa. Algumas cláusulas que podem ser consideradas imprescindíveis em uma holding familiar são: inalienabilidade, incomunicabilidade, impenhorabilidade e reversão.
Inalienabilidade
A cláusula de inalienabilidade é uma medida restritiva que pode ser incluída no contrato social de uma holding familiar com o objetivo de proteger o patrimônio da empresa e evitar sua dilapidação pelos sucessores. Essa cláusula impede a alienação de algum bem, tornando-o indisponível por prazo determinado ou indeterminado.
Com a inclusão dessa cláusula no contrato social, os sucessores não poderão dispor do bem, nem de forma gratuita, tampouco onerosa. A imposição dessa cláusula tem o objetivo de preservar o patrimônio da empresa e garantir que os herdeiros não fiquem privados de um bem para moradia, por exemplo.
Essa cláusula ainda pode ser temporária ou vitalícia, dependendo do prazo determinado previsto nela mesma. Se temporária, o sucessor só poderá dispor do bem após transcorrido o prazo determinado. Se vitalícia, o sucessor não poderá, em regra, dispor do bem até a morte do doador ou testador.
Impenhorabilidade
A cláusula de impenhorabilidade tem o objetivo de impedir que os bens recebidos sejam penhorados para garantir dívidas de seus proprietários. Isso significa que o herdeiro ou donatário que recebe as cotas como doação do instituidor da holding fica impedido de utilizá-las como garantia na contração de dívidas ou execuções judiciais. Essa cláusula tem como finalidade proteger o patrimônio do herdeiro e garantir que ele não seja dilapidado para pagamento de dívidas.
Incomunicabilidade
A incomunicabilidade é uma medida restritiva usada para impedir que os bens recebidos entrem na comunhão em virtude do casamento. Isso significa que, se um filho do patriarca se separar, sua esposa não terá direito sobre os bens constantes da holding em virtude da sua incomunicabilidade.
Importante ressaltar que os bens que estão com este gravame não entrarão na comunhão independentemente do regime de bens convencionado
Reversão
A cláusula de reversão é uma medida resolutiva pode ser incluída no contrato social da holding familiar para estipular que os bens do doador retornem ao seu patrimônio em caso de falecimento do donatário. Isso significa que, caso o donatário venha a falecer, os bens doados voltam ao patrimônio do doador.
O resultado prático é que os bens que foram objeto da doação não serão transferidos aos herdeiros do donatário sem o consentimento do doador.
Essas são apenas algumas das cláusulas limitadoras que podem ser inseridas em uma empresa holding familiar. É importante ressaltar que cada holding familiar é única e as cláusulas específicas dependerão da realidade de cada família, do patrimônio envolvido e até mesmo da quantidade de filhos. É recomendável buscar a ajuda de um profissional para entender o alcance das cláusulas especiais e definir quais são as mais adequadas para a sua holding familiar.
Doação em vida ou doação através da holding qual dos dois é mais vantajoso?
A doação de bens imóveis através da holding familiar não é um ato isolado que se extingue com a concretização da transferência do bem. Ela faz parte de um procedimento maior, e pensado a longo prazo, que é o planejamento sucessório.
A doação de imóveis pelo cartório, além de gerar um custo mais alto, tira o domínio dos bens das mãos do doador, o que não necessariamente acontece quando a doação é feita pela holding familiar. Dentro da holding familiar, o instituidor poderá manter a administração dos bens até os seus últimos dias, proteger o patrimônio de eventuais imprudências dos seus sucessores, e ainda criar cláusulas restritivas que irão garantir que os bens permaneçam na propriedade da família, por pelo menos por algumas gerações.
A criação de uma empresa holding cria figuras diferentes na relação patrimonial, de modo que os bens pertencentes à empresa (pessoa jurídica) não são a mesma coisa que os bens de titularidade dos sócios (pessoa física). Assim, se um herdeiro for imprudente em relação às finanças, somente o seu acervo patrimonial pessoal é que responderá pela dívida. O patrimônio integrante do capital social da holding familiar não poderá ser adjudicado pelo credor, salvo se comprovar vontade deliberada de cometer fraude.
Ao criar a empresa holding, é possível que em seu estatuto ou contrato social sejam criadas cláusulas de modo que a vontade do instituidor quanto à administração dos bens seja respeitada mesmo após a sua morte. Assim, poderá ele definir quem será o seu sucessor na administração dos bens.
Outra vantagem, sempre tendo em mente o planejamento sucessório, é a simplificação ou desnecessidade, a depender do caso, do processo de inventário, quando o instituidor vier a falecer. Se ele cedeu aos herdeiros a totalidade da empresa, reservando a administração dos bens para si com cláusula de reserva de usufruto, apenas extingue-se o usufruto sem necessidade de levar os bens à colação. Noutro modelo, se permaneceu o instituidor como sócio, é necessário que se leve a inventário somente as cotas parte que lhe eram propriedade, e eventual patrimônio remanescente.
Portanto, a doação feita dentro da empresa holding familiar, no contexto de um planejamento sucessório será mais vantajoso, e oferecerá mais mecanismo de proteção jurídica do patrimônio do que a doação pura e simples feita no cartório. É importante que a doação de bens imóveis, pelo cartório ou por meio da holding, seja precedida de um planejamento. Por isso, é indispensável o acompanhamento por um advogado, para que o doador e o donatário não enfrentem problemas futuros que poderiam ter sido evitados por simples precauções tomadas no momento da doação do bem ou dos bens imóveis.
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